Você já sabe o que é a circuncisão. Conheça agora suas origens e trajetória ao longo da história, e entenda por que ela é tão "famosa".
A circuncisão ritual é muito antiga, havendo indícios concretos de sua prática há milhares de anos na África, Oriente Médio e Oceania (na América, é sabido que os Maias praticavam rituais de sangria genital, mas há controvérsias quanto a se os mesmos envolviam ou não a amputação do prepúcio).
Alguns desses indícios remetem a períodos anteriores ao relato da circuncisão de Abraão presente no Velho Testamento, evento fundador da religião judaica.
Na África, por exemplo, a semelhança entre os ritos de tribos africanas distantes milhares de quilômetros entre si sugere que a circuncisão seja uma prática antiquíssima em tal continente.
Existem algumas hipóteses para o seu surgimento: punições e proibições a desvios de conduta sexual, ritos de passagem da infância à idade adulta, sacrifícios expiatórios de religiões arcaicas.
A circuncisão dificultaria e inibiria a masturbação e reduziria o prazer sexual, e ainda resultaria numa diminuição da ocorrência de estupros no interior de agrupamentos primitivos.
O estudo científico "The intromission function of the foreskin" constatou que a penetração orificial da glande descoberta e desprovida de lubrificação demanda muito mais força (até 10 vezes mais nas condições de teste) do que aquela necessária para a penetração da glande inicialmente coberta por um prepucio retrátil (o qual pode utilizar a entrada do orifício como ponto de apoio durante a penetração, permitindo que a glande - naturalmente lubrificada - seja projetada para a frente com pouquíssima resistência devida ao atrito).
A partir dos primeiros séculos da Era Cristã, entretanto, a difusão da amputação ritual do prepúcio passou a encontrar uma certa resistência ao longo da história, pois o Cristianismo não perpetuou o caráter "religioso" dessa prática.
Nos últimos séculos, em sociedades cujo sistema religioso não exigia ou nem mesmo sustentava a prática da circuncisão ritual, foram racionalizadas outras justificativas para a sua perpetuação como procedimento de rotina.
Durante a era vitoriana (segunda metade do século XIX, no Reino Unido), passou-se a defender que a amputação do prepúcio poderia prevenir doenças como a poliomelite e a tuberculose, e ainda evitar uma temida síndrome então conhecida como insanidade masturbatória.
O ponto crucial para forçar a aceitação da circuncisão como medida "preventiva" era demonizar o prepúcio e culpá-lo pelas doenças mais temidas da época.
Nos Estados Unidos, esse movimento iniciado no Reino Unido ganhou força no final do século XIX, e em pouco tempo a circuncisão já estava sendo propagandizada naquele país como um remédio para o alcoolismo, epilepsia, asma, gota, reumatismo, curvatura da coluna vertebral, dor de cabeça, histeria e outros distúrbios do sistema nervoso, paralisia, desnutrição, "terrores noturnos", pé-torto, eczema, convulsões, retardo mental, promiscuidade, sífilis e câncer. Os médicos também aconselhavam a circuncisão para o tratamento da neurastenia, uma condição psiquiátrica generalizada cujos sintomas se assemelhavam aos do que é hoje conhecido como síndrome do pânico e depressão.
Enquanto a Inglaterra acabou abandonando a circuncisão de rotina por volta da metade do século XX, nos Estados Unidos essa prática não só continuou como se massificou ainda mais a partir da década de 50.
Uma possível explicação para esse fenômeno é o fato de que, após a segunda guerra mundial, os EUA passaram a sofrer profunda influência cultural judaica, exercida tanto politicamente quanto através do controle de seus meios de comunicação (agências de notícias, canais de televisão, indústria cinematográfica).
Não por acaso, Israel e Estados Unidos são os únicos países onde a circuncisão neonatal ainda é amplamente difundida.
Outro fenômeno curioso foi o caso da Coreia do Sul, que, como consequência da "americanização" de sua cultura após a guerra da Coreia, teve o número de interventos aumentado drasticamente nas últimas décadas do século XX. Naquele país, entretanto, a circuncisão de rotina tem sido predominantemente executada em adolescentes, e não em recém-nascidos como no caso dos EUA e de Israel.
Em pleno século XXI, a prática não-terapêutica da amputação do prepúcio continua firme e forte no mundo islâmico, nas comunidades judaicas e em boa parte da África.
Nos Estados Unidos, apesar de ainda muito difundida, a circuncisão rotineira de recém-nascidos vem perdendo força recentemente, graças ao trabalho de conscientização desenvolvido por uma série de grupos ativistas em prol da integridade genital infantil.
Mas mesmo nos países (como o Brasil) em que a circuncisão ritual ou de rotina é praticada somente por minorias, ainda existe uma certa propensão a praticar a remoção do prepúcio por qualquer pseudo-motivação médica ao longo da infância e da adolescência, como inflamações via de regra facilmente tratáveis. Em outras palavras, é como se a postectomia fosse "uma solução à procura de um problema".
Essa propensão inconsciente a circuncidar proveniente de tempos remotos, associada à desinformação da população (e até mesmo de parte da comunidade médica) e a interesses financeiros escusos faz com que a frequência de execução desse intervento seja muito maior do que o clinicamente necessário.